domingo, 3 de junho de 2012

Frágil diamante...


O som da chave entrar na ranhura ecoa por toda a casa... entrou de sorriso, um pouco apressada e apetrechada de sacos. Pendurou o casaco bege e comprido. Trazia um vestido que descia um pouco abaixo dos seus joelhos. Com um acabamento em saia bordada, com um padrão único, belo e harmonioso de flores. Tão colorido como as cores das flores que brotam na primavera e as folhas que caiem no outono. Toda ela parecia um jardim. Apenas pintado pelo mais talentoso dos pintores e descrito pelo mais apaixonado dos poetas. Alta, cabelos compridos, ondulados e loiros. Pele branca e tão bela, que até os sinais do seu corpo, pequeninos e castanhos, a transformavam numa obra de arte. Teria ela sido criada pelo simples acaso da natureza? Uma mulher tão hipnótica e frágil como à vista transparecia onde quer que fosse. Tão charmosa e inteligente, que cada vez que abria a sua boca de lábios carnudos e dava uso à sua língua, os homens deixavam de admirar a sua beleza, e aninhavam-se, enfeitiçavam-se pelas suas palavras, a sua voz e o seu tom.
Uma mulher completa, perfeita, sem qualquer defeito. Teria estrias como qualquer outra, teria celulite como todas as mulheres... mas as corridas ao fim de semana, logo pela manhã, não era um obstáculo.

Descalçou os sapatos à entrada e dirigiu-se para o quarto. Atirou os sacos para cima da cama e correu para a casa de banho. Despiu-se. Abriu a água e tentou lutar contra a irregular temperatura. Ora muito quente, ora muito frio... não fosse ela estar concentrada no que tinha planeado o dia todo, e teria percebido que a sua mente assemelhava-se à água que saía do chuveiro.
Uns dias completamente feliz, outros dias, rodeada por uma tristeza avassaladora que a faziam chorar incontrolávelmente na sua cama.
Um emprego que invejava qualquer um. Dona de uma revista cientifica. Trabalhava muito mas com todo o prazer do mundo. Tinha um horário flexível, amigos e amigas que podia contar com os dedos, e conhecidos dedicados pelo seu trabalho que mal cabiam nos escritórios da sua empresa. Um salário invejável, que a permitiam comprar todos e quaisquer caprichos. Saciar os seus desejos e a sua gulosice.

Deixou a água escorrer pelo seu corpo, enquanto se ensaboava. Lavava os cabelos com gentileza. Fazia o pente passar por aqueles cabelos cheios de espuma, com um só gesto. Brilhavam junto com a sua pele, à luz da janela. Passava a esponja pelas suas pernas, pela sua barriga. Carinhosamente... lavava a sua menina e tocava-lhe sem desejar ter um orgasmo naquele momento.
Saiu do banho, enrolou-se em toalhas perfumadas, pegou no pente e dirigiu-se para o quarto. Sentou-se à beira da cama, virada para a janela do quarto. Sentia o calor na cara e nos seus pés agora fora dos chinelos, tão confortantes e macios.
Abriu os sacos um a um, à procura de algo. Desembrulhou o pacote, e as paredes do quarto pintaram-se de vermelho. Uma lingerie, comprada nos descontos da sua loja favorita. Indicada pela sua melhor amiga. Uma peça única para a nova colecção de Primavera-Verão.
Vestiu as meias, as cuecas e colocou o soutien. Olhou-se ao espelho, esboçou um sorriso e deu algumas voltas. Verificava cada ângulo do seu corpo. -- "Será que fica bem no rabo? Será que fazem o meu peito parecer demasiado grande? As cuecas ficam-me bem?" -- pensava ela.
Chegou-se junto da gaveta onde guardava todos os seus perfumes, cremes para a pele, espuma para os caracóis, desodorizantes, giletes, toalhetes, alguns puxos para o cabelo, bâton, maquilhagem e um pacote de lenços.
Não tinha nada de mais nem de diferente de uma mulher normal. Ela gostava de se sentir assim. Normal. Gostava de se vestir bem como qualquer uma, mas deixava a sua riqueza escondida em casa. Os seus caprichos trancados a sete chaves. Os seus medos escondidos debaixo dos lençóis.

Olhou para o relógio. 15:34h.
Arrumou os sacos, e deitou-se na cama. Virou-se para a janela e contemplou o sol e o seu jardim. A rua era já ali, e adorava poder escutar os vizinhos a conversar. As crianças correr atrás da bola. As suas mães gritavam para que não brincassem no meio da rua, para terem cuidado com os carros. Os sacos das compras ficavam esquecidos na mala do carro da vizinha da frente, enquanto o seu filho fugia para se juntar aos amigos. -- "Oh João!" -- gritou a mãe de mãos nas ancas. Era escusado. Teria de acartar tudo sozinha, como de costume.
Esboçou um sorriso e olhou para o relógio. Ao lado deste descansava um livro, com pouco mais de 500 páginas. Ajeitou-se nas almofadas e depositou o seu olhar naquelas folhas de papel antigo que a faziam entrar num mundo de pura ficção cientifica. "O clã do Urso das Cavernas". Deixou-se perder durante várias dezenas de minutos, naqueles montes e vales que percorriam o livro como um rio.

Reconheceu um cintilar metálico lá fora. Ouviu a porta abrir e um despir de casacos e sapatos. Aquela casa devia-se manter limpa. Não por manias, nem por fobias a germes, mas por higiene. Não queria que o seu bebé apanha-se alguma doença ou brincasse com os seus brinquedos num chão sujo de micróbios por muito limpo que estivesse. Não era medo, era precaução. Amava-o como mãe que era. Protegia-o como instinto de progenitora que ela sabia crescer desde o momento em que soube estar grávida. Mas o seu bebé não estava em casa. E por muita que fosse a saudade e a sua mente tivesse ocupada com a sua imagem e o seu estado de saúde, ela reconhecia que precisava de um tempo para ela. De espaço, de arejar ideias, libertar-se do stress, do trabalho, dos problemas que a incomodavam como mãe. Precisava de descansar, assim lhe sugeriam as suas amigas.

Dirigiu-se à cozinha, tirou um copo simples do armário e bebeu-o com sumo do frigorífico. Vinha com cede e com vontade de urinar. Homens...
Caminhou calmamente até ao quarto e deparou-se com a sua mulher, a sua esposa, num quarto com um ligeiro toque de perfume. Ali, deitada, de lingerie e banhada pelo sol. Uma sombra que lhe cobria os olhos e um livro que descansava ao seu lado. Ficou assim, paralisado, maravilhado por tal surpresa, por tal beleza. Não pensou no sexo, mas na lingerie, nos seus cabelos, nas suas curvas. Sentia-se deslumbrado pela mulher que o escolhera como seu companheiro. Como pai dos seus filhos.
Chegou-se perto e ouviu um choro. Um soluçar desconfortante que rapidamente evoluiu e se apoderou do corpo dela. Escondeu a cara entre as mãos e sobre as almofadas brancas. Permaneceu assim, num soluço sufocante. Um choro que conseguia arrepiar a alma do seu amado.
-- O que foi amor? O que tens? O que aconteceu?
Nada disse e assim ficou, até que o olhou nos olhos, chorosa, de olhos vermelhos e muito tristes. Limpou as lágrimas e o nariz com um inspirar ligeiro. Sentiu uma mão na cara e um acariciar da sua bochecha.
-- Fala comigo amor! -- pediu triste, de lágrimas perdidas no rosto.
-- Não me sinto feliz...

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