terça-feira, 20 de maio de 2014

Tenho medo de trovoadas... [2]


Na varanda, vi a noite queimar o céu como fogo, silenciando devagar o mundo. O vento soprou as folhas do chão e as gotas caíram sobre o meu corpo curvado, fechado sobre os joelhos que segurava num abraço apertado. O vestido tornou-se gelado, pesado, proporcionando-me um momento de melancolia profunda, sentindo-me vazia e sem vida. Estava sozinha, baloiçando no confortável silêncio do universo, perpetuando a fadiga depressiva numa espiral eloquente que me roubava as forças e a mente.
Uma faísca percorreu o horizonte, subindo aos céus numa fuga desajeitada de curvas, tentando escapar aos horrores deste mundo. O meu coração parou, os olhos iluminaram-se e a pele sentiu a força do impulso longínquo. Encolhi-me, segurando fortemente no pouco que restava de mim, para que não fugisse também. E antes que fosse capaz de absorver o susto, uma melodia tenebrosa caiu, intensificando o seu tom de voz aos meus ouvidos, a força das suas mãos sobre o meu vestido e odor em redor dos meus cabelos. Tapei os ouvidos com as minhas mãos geladas, sentindo na cara, as vergas que o vento criava a partir de madeixas do meu cabelo. Chorei. Por medo. Por abandono.
Senti o calor na cara e olhei para a fonte. O pôr do sol surgia brevemente no horizonte e esperei. Esperei que o calor daquele momento único me maravilhasse a mente defunta, e observei, atónita, o arco quente de cor intensa, desaparecer no fim-do-mundo como uma gota que escorre através da pétala longa de uma flor e cai. Morta e inanimada.

Não existe vida, porque eu não a desejo.
-- Todos querem viver.
Mesmo no fundo do poço?

O Universo ainda não explodiu.

Tenho medo de trovoadas... [3]

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