segunda-feira, 2 de março de 2015

A rapariga que cheirava a pão quente...


Ela acordou, pelo cheiro do pão cozido da manhã e da lenha crepitante no fogão negro e pesado. Levantou-se num salto, de olhar faminto e de estômago lambareiro, imaginando-se tão rapidamente a devorar o saboroso pão da sua avó, que ainda lhe faltava calçar os chinelos de algodão. De pijama embonecado e sorriso largo no rosto, agarrou a maçaneta da porta. Estava quente, iluminada por uma fresta nos cortinados que lhe embatia no rosto e numa perna. Como quem nos toca no ombro, voltou-se para o sol e perdeu-se num horizonte sarapintado de cores e flores, num prado verde que se estendia até onde a vista alcançava, limitando-se num muro baixo de pedras velhas e de amizades estranhas com o musgo e os cogumelos. Admirou os patos soltos junto ao lago. Os galos caminharem de peito feito e um fumo cinzento desaparecer com o leve vento que embatia nas árvores altas, e grossas, espalhadas pelo terreno trabalhado pelos seus avós. A casa de férias perfeita para qualquer rapariga da sua idade. Dezasseis anos.
A casa velha, do seu tetra-avô, de teto ligeiramente mais alto que ela própria, acolhia-a sempre com um abraço de nostalgia e conforto. Era o ar, o ambiente, os sonhos, os cheiros, os avós... Aquela era a sua casa. O seu recanto.
Abriu a porta, ultrapassou o avô carregado com um cesto de lenha e correu para a cozinha. Os cabelos castanhos encaracolados voavam numa liberdade e beleza que a sua avó nunca parava de admirar de olhos reluzentes. Lembrava-lhe a mãe quando era mais nova. Alta, sorridente, confiante, bela, apaixonada e quase sempre com a cabeça na Lua. Agarrou então num pão e com a faca cortou-o ao meio, recheando-o com o fiambre e o queixo que a sua avó comprava no mini-mercado ao fundo da estrada, para lá do moinho e da ponte.
Não se bebia leite naquela casa; Não por serem alérgicos, mas porque a vitamina C do sumo de laranja que se preparava na frescura da madrugada, lhes faziam melhor aos ossos e à disposição. Juntavam-se as frutas numa cesta onde a maçã dominava abundantemente de cores garridas, e um doce de abóbora que se deixava devorar pela gulosice do avô de costas cansadas.
Aproximou-se, da janela, quase embaciada, sentindo o frio do exterior com os olhos, aconchegando-se no conforto do lar que parecia acordar e aquecer-se sozinho. Os seus avós, que se moviam lentamente de um lado para o outro, de tarefas decoradas e gentilmente laboradas, pareciam pequenos anões, mágicos, sempre com um sorriso caloroso no rosto.




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2 comentários:

  1. Que bela imagem que criaste com este texto. A preservação da memória e das tradições antigas. Lindo!

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    1. Sim, sem duvida um dos meus textos mais bonitos. :)
      Obrigado!

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